quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Vozes do Natal

Havia de editar Na Molécula I, porém se avizinhava o Natal e a recordação de outros Natais vividos me veio à mente, principalmente o de 1979. Resolvi então, falar dele, ou melhor, explicar por que ele foi importante para mim.
Já havia algum tempo que morava em um pobre bairro da periferia entre gente humilde sem o devido amparo da sociedade e muito menos do governo, mais até hoje moro nele. Cheguei aqui com pincéis, tintas minha mochila de campanha e me instalei numa humilde meia-água. Minha longa barba e cabelos encaracolados até os ombros foram motivos para que os circunvizinhos me chamassem de Barbudo ou o Baby. Nunca me aborreci com os apelidos e é assim que me chamam até hoje, adultos e crianças. Os adultos do lugar em sua maioria são pescadores, trabalhadores na construção civil e outros serviços humildes. Apesar disso isto é, do lugar ser humilde, ano após anos gente de mais preparo e até de posição social mais elevada estão emigrando e se instalando de mala e cuia no bairro. Muitos são da classe média que após se aposentarem não tendo mais como pagar as altas taxas de condomínio nos bairros mais sofisticados do Rio de Janeiro fogem para as periferias. É o sinal dos tempos. O outro sinal será o êxodo para os Sertões.
Em 1979, às vésperas do Natal vendo a necessidade de tudo e de todos na revolta, resolvi escrever ou pintar alguma coisa referente ao Tema. Pintar não pintaria, pois prometera a mim mesmo jamais pintar coisas tristes, por que descobrira que um quadro é um ícone, um terrível amuleto que tanto pode ser empregado pára o bem ou para o mal das pessoas. Descartada essa possibilidade resolvi escrever sobre, mais o que? Passei uns dois dias contrariado sem saber o que fazer, quando no terceiro dia explodiu como uma represa destroçada lançando para todos os lados suas furiosas caudais de água, meu cérebro, minha mente. E o resultado foi o nascer de Vozes do Natal, quatro sonetos específicos sobre o assunto e aí estão.
O Natal do Sem Terra
Sou o sertanejo de bruto e tosco arado,
Que o Sol só encontra em férrea lida.
Com as mãos calosas, as roupas em andrajos,
Os pés estrepes, a boca ressequida.

Sou quem planta e colhe o grão que te alimenta,
Embora o que me toca é a soca da colheita.
Enquanto a tua fortuna a cada dia aumenta,
A Megera Fome o meu casebre espreita.

Enquanto bebericas estrangeiro vinho,
Cá me contento no aluá e na garapa.
Sei que tuas sobras são do bom lombinho,
Mais daqui só me escapole, da panela a rapa.

Mais nesta noite do Senhor Menino,
Quando forte canta o galo e tudo é Aleluia.
Ergo meus olhos e rogo a Deus em prece:
Que abarrote a tua burra e bem farte a cuia.

O Natal do Prisioneiro ou do Pré-Solto em mente.

Na masmorra apodreço e não sei onde nasce o Sol.
Fui valente e audaz mais agora estremeço;
O frio manto da solidão é o meu lençol...
E no catre imundo entre pulgas desfaleço.

Também fui criança como o Deus Menino,
Brinquei de gude, pulei carniça mais não tive escola.
Essa coisa que dizem ser boa, mais por desatino,
Alguns doam aos pobres apenas por esmola.

Sou a estátua nua da miséria humana,
Pois criminoso rico, aqui jamais perece...
Se apenas sou esterco ou flor de qualquer lama,
Não é a sociedade em si mesmo que apodrece?

Nesta noite me sinto um párea, porém sereno,
Reivindicando os mil direitos do existir.
Não foi no Calvário, entre ladrões que o Nazareno,
Para nos salvar veio a sucumbir?

Um almofadinha contou-me certa vez;
Que existe mais bordéis que escolas neste mundo.
Mais fuzis do que arados para o plantio e talvez
Neste tema sem temor me aprofundo

Pois há mais crianças do que pão para alimentar
E isto falo a vossa inteligência
Muito mais de maldosos dedos para armar e apontar
Existem dez para cada consciência

E ela, somente ela de cada um, que venha me julgar,
A si, seus próprios atos e dê a pena certa.
Pois no céu de qualquer um de par em par,
A porta do perdão jaz como sempre, aberta.

Natal de Prostituta é no Paraíso

Sou prostituta não nego, pois em fofa cama,
Satisfiz tua carne por alguns vinténs.
E agora nesta noite, de gloriosa fama,
Lembrança de mim não guardes, recordações de mim não tens.

Nada te peço mais devo te lembrar agora,
Minha alcunha é sacrilégio na tua nobre sala.
Mais ao badalar do sino, feliz com tua senhora,
Beija-a como a mim beijaste até fugir-lhe a fala.

Onde me encontras não quero que jamais encontres,
Tua filha, teu sangue e não seja tu o juiz.
Pois minha é a verdade, quiçá não me afrontes,
Sou mãe, fila e amiga, embora meretriz.

Saiba que uma de nós prosternada um dia,
Os pés do senhor em seu farto colo recolheu.
E ele nos profetizou esta verdade pia:

Antes de reis, bispos e doutores, assim se fará de forma absoluta:
Entrará no Paraíso entre cânticos e louvores,
A mais infeliz e pobre prostituta.

Natal na Favela não arranha o Céu.

Sou o operário que bem longe habita,
Sou eu que tijolo por tijolo ergue a construção
Sou um ser a ré, o parco salário me avilta,
Sou da máquina combustível, do progresso a mão.

Sou o homem sem porvir da sociedade ausente,
Barata de favela ou fétido alagado.
Só tenho de meu, o aconchegante e quente,
Amor de uma cabrocha que reparte o meu estrado.

De fábrica em fábrica, de construção em construção,
Minha vida é um girar, como o girar do monjolo.
Simples carta descartada no jogo da ilusão,
No resto do entulho, pedaço de tijolo.

Os vistosos arranha céus dominam a paisagem
Do alto da favela a cidade observo:
Pirilampando de luzes, festejando um deus imagem.
Que talvez tenha esquecido deste humilde servo...

Entre um gole de cachaça e um tira gosto de inveja,
Prescruto meu mundo e o outro, muito mais além.
Tenho os olhos umedecidos e minha alma peja,
Comovo-me com as estrelas, me embruteço com o desdém.

Da porta do barraco a velha mãe me grita:
-Filho! A mesa está pronta, já e hora, é a ceia.
O que foi que houve ou o que te irrita?
É o repicar dos sinos ou o canto da sereia?

Mais coração de mãe filho nenhum engana.
E correndo comovida me abraça tagarela;
-Filho meu!Filho meu! Exclama:
ARRANHA CÉU também é Favela!

Era véspera de Natal e fui visitar a Mãe em seu trabalho mais não fiquei para a ceia, pois o ultimo ônibus para meu bairro era a meia noite. Quase o perdi mais cheguei ao bairro umas duas horas da manhã e havia muita gente nas ruas comemorando. Com sede entrei na padaria próxima a minha casa e pedi um refrigerante. A padaria estava cheia de gente e muitos vieram me cumprimentar. Entre abraços e desejos de um feliz Natal uma senhora exótica veio me abraçar e disse:
-Não sou daqui, estou de passagem mais outro dia haveremos de nos encontrar.
- Como assim? Onde?Indaguei.
- No Paraíso meu amor. No Paraíso.
- E nós não?Indagaram todos.
E a exótica senhora se indo respondeu:
- Qual o bom Pai que não espera na porta o filho que vai chegar?
Depois que ela saiu um senhor curioso foi até uma das portas, olhou para um lado e para o outro e de olhos esbugalhados voltando exclamou:
- Gente! a dona sumiu!
Uma velhinha muito sirigaita que bebia com um grupo numa mesa olhou para mim e piscou os olhos como entendi o sinal fiz com o polegar um sinal de positivo e me fui.

****

**** O olho que dizem que tudo vê, olha o Mundo e não me enxerga pois no Ontem não era, no Hoje não é e no Amanhã nunca será. No entanto Eu olho o Mundo e o olho que dizem que tudo vê: Eu o vejo e o enxergo pois no Ontem Eu era, no Hoje Eu sou e no Amanhã sempre serei porquê na Eternidade das Eternidades, Sou Um de D*E*U*S*.

**** Eu vim, vi e venci e nem “eles” me viram nem tu me viste.
**** Um abraço a todos, até o próximo artigo e Inté.
**** Independência ou Sorte. O Aedo do Sertão

**** Fim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente, critique ou dê sugestões